Corrida do Croma
Entorne o fluxo de dados.
O Eliksni se dirigiu entre os demais até o banco vazio na barraca de pão de queijo e colocou os quatro cotovelos no balcão.
Maurice ergueu os olhos brevemente da bandeja que ia ao forno e, pensando se tratar de um Titã de capacete ridículo vindo fazer um lanche, o cumprimentou. Só quando ele chegou distraído até o balcão que percebeu quem era o freguês.
Placas de metal cobriam a testa e as faces da criatura, terminando num bocal que emitia um fluxo de vapor azulado. Uma colisão improvisada de tecido pesado e trama metálica lhe caía sobre os ombros. Um cordão da Vanguarda pendia do pescoço numa imagem até absurda.
Ele era pequeno, para um Eliksni, mas a cabeça angulosa da criatura debruçada ainda assim observava Maurice de cima. Quatro olhos azuis o encaravam acima da boca sem lábios, que se abriu e revelou fileiras de dentes finos e afiados.
"Uma porção de pães de queijo", grasnou o Eliksni, entrecortado. "Por favor."
Maurice prendeu a respiração, apertou o lápis e sorriu. Ele sempre sorria quando ficava nervoso, e aquele momento lhe parecia muito adequado para o gesto.
O Eliksni sorriu de volta, assentiu com a cabeça e voltou a abrir aquela bocarra tenebrosa. "Eu senti o cheiro. É bem gostoso", explicou.
Maurice passou os olhos pelo balcão. Os outros fregueses pareciam paralisados nos assentos, os pães de queijo esfriando diante deles. Ele percebeu que a boca tinha decidido falar por conta própria, como se não tivesse nada de errado na situação. Ele se ouviu perguntar: "Vai querer quanto requeijão pra acompanhar, numa escala de zero a cinco?"
O Eliksni parecia já esperar pela pergunta. "Cinco", respondeu, erguendo uma mão com três garras bem abertas, e a outra com duas. "Pode me ver uma porção das grandes, por favor?"
"Pode deixar", aceitou Maurice, sem deixar a voz denunciar a tensão, e voltou para a fornada de pães de queijo. A memória muscular tomou conta, e logo ele se viu servindo uma tigela de pães de queijo fresquinhos para a criatura, que estalou com alegria.
Maurice recuou meio passo. Uma humilde aglomeração se formava no corredor diante da barraca. Alguns dos clientes se debruçavam para ver melhor, a curiosidade suplantando a tensão. Maurice percebeu que a mulher no banco 2 precisava de mais água, mas dava para esperar.
O Eliksni ergueu os braços, hesitante, então voltou a olhar para Maurice. "Qual é o protocolo?"
Maurice se viu na dúvida de qual par de olhos do Eliksni deveria encarar antes de decidir focar o olhar nos pães de queijo. "Bem, você pode abrir o pão de queijo e passar um pouco de recheio extra—"
"Recheio", repetiu o Eliksni, saboreando a palavra exótica.
"Isso, recheio. O pão de queijo você come com a mão, mas pode usar uma colher para passar um recheio extra depois de abrir." Maurice percebeu como as garras do Eliksni eram enormes para a colher diminuta. "Ou você pode só comer tudo aos punhados."
Maurice simulou o gesto de pegar uma mão cheia e botar na boca. O Eliksni assentiu. Ele botou uma garra no rosto, e o vapor azul cessou.
O Eliksni pegou a tigela e a sopesou antes de colocá-la de volta no balcão e pegar punhados de pães de queijo com os braços de cima. Maurice observou os olhos do Eliksni se fechando enquanto ele começava a abocanhar o lanche.
Um longo momento de tensão recaiu sobre a barraca, o silêncio rompido apenas pelo ruído de mastigação entrecortada.
Enfim, o Eliksni baixou os braços. Inspirou e deixou sair mais um pouco de vapor azul. Ele olhou para Maurice. "Senti bem o sabor", disse, com profunda satisfação. "Fico muito agradecido."
O esgar de Maurice se transformou num sorriso mais sincero, ainda hesitante. "Que bom que gostou."
O Eliksni se levantou e estendeu o que parecia um modelo diminuto do Viajante. Ele brilhava, flutuando na palma da criatura. "Compensação", explicou o Eliksni.
Maurice estendeu a mão para pegar o tesouro, mas então mudou de ideia. "Para um freguês novo, sai por conta da casa", respondeu. "Sem compensação. Obrigado pela preferência."
O Eliksni inclinou a cabeça, então soltou um estalo, e o modelo sumiu por entre as dobras da capa. Ele sorriu para Maurice.
"Você", começou ele, então pigarreou, você é um…" As cinco palavras enérgicas que se seguiram foram repletas de consoantes surdas.
No silêncio confuso que se seguiu, o Eliksni acenou graciosamente com a cabeça e partiu em meio à multidão do lado de fora, embrenhando-se na Cidade.